Viajei por estes dias. Fui à uma cidade chamada Key West, na Flórida. O guia de viagem que compramos dizia: não perca o pôr do sol no píer! Andamos com pressa, sabedores que o sol não espera plateia. E que pôr do sol. Chegamos ao píer e haviam muitos turistas, iguais a nós. Havia uma banda tocando Greatful Dead. E havia o sol se pondo no oceano.
Enorme bola de fogo deitando no tapete azul do mar.
E eu fiquei pensando que aquilo era um dos “momentos de perfeição”, de que falava o Affonso Romano de Santanna em uma crônica antiga que li muitos anos atrás.. E eu fiquei pensando em quantas pores de sol já havia assistido e aplaudido (vivas para os anos 80!). Fiquei pensando na beleza daquele “momento de perfeição” onde tudo era dito sem palavras.
Ando de má vontade com as palavras. Elas não traduzem. Me traem, na maioria das vezes.
Aquele pôr do sol me lembrou a filha de um amigo, que nasceu recentemente e que segurei em meus braços. Seu nome é Lia. Aquele foi outro “momento de perfeição”. Um momento que segurei com as mãos, senti-lhe a respiração.
O Affonso Romano dizia de tantos outros “momentos de perfeição” que, distraidamente, deixamos passar. E naquele pôr do sol eu me lembrava de alguns. Porque a perfeição rima com solidão só na poesia pobre do ser humano. Porque nos versos da Criação, perfeição rima mesmo é com comunhão: de corpos, de mentes e de almas. Comunhão anônima, desapegada. Triste algumas vezes, porque na perfeição a tristeza tem um eco, uma saudade de eternidade.
Naquele pôr do sol revi “momentos de perfeição” que vivi: minha mãe ao meu lado nas cirurgias que fiz quando criança; uma musica que meu pai tocou num bar vazia em Novo Hamburgo RS, numa noite de fria de agosto em 85; o choro triste de um amigo ao desfazer-se seu casamento. Momentos de perfeição onde sabemos que há lá mais do que vemos, ouvimos ou ousamos dizer. Porque os sentidos não alcançam. Embora tudo faça sentido de uma maneira mais profunda.
Levei comigo aquele pôr do sol. Será minha cela, de prisioneiro ou de monge. Será meu abrigo nas intempéries. Será meu santuário, minha igreja, meu altar e sacrário. Porque muito de mim se pôs junto com o sol. Porque é preciso saber se retirar, reter o brilho, dar vez à noite e à escuridão. Sem culpa pois a linha do horizonte é uma abstração, uma incapacidade sensorial de ver alem.
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