7 de agosto de 2008 A vida na Italia,
Olà Senhor presidente
Sei que o senhor deve receber milhares de cartas por dia, mas peço aos seus assistentes que lhe dirijam esta humilde carta, pois eu sei que o senhor é um homem ocupado e eu gostaria de compartilhar com o senhor algumas das minhas percepções sobre o nosso pais.
Ha um ano sai do Brasil rumo a Italia, onde – junto com a senhora Marisa – tenho o direito de viver por ser descendente de italianos: meu antenato veio ainda nos idos de 1890 para trabalhar nas lavouras de café do interior de SP. A diferença entre eu e a dona Marisa é que ela conseguiu o reconhecimento da cidadania dela em poucos dias, e eu como simples mortal depois de saber que os consulados italianos no Brasil demoravam décadas resolvi juntar meus trapos e ir diretamente a Italia fazer meu processo de reconhecimento de cidadania por lá mesmo.
Ah senhor presidente, neste um ano eu vi um mundo de verdade, onde os motoristas respeitam os cidadãos, praticamente não existem semáforos presidente! Basta colocar o pé na faixa e o motorista dá passagem ao pedestre, muito diferente dos motoristas brasileiros que se bobearmos nos atropelam na calçada mesmo…
Vi também uma coisa que me espantou, senhor presidente! Vi que lá quanto mais novo é o seu carro, menos imposto se paga, veja que interessante! E lá também o seguro é obrigatório, não se pode andar sem ele. Dai fiquei pensando: Tenho que levar esta idéia ao nosso presidente, que irá adorar a idéia, afinal no Brasil acontece o inverso: quanto mais velho o carro, menos se paga de imposto e conseqüentemente estimula-se à compra de carros velhos, que atrapalham o transito, provocam mais acidentes e onera mais o Estado.
Vi também presidente, como funciona o sistema de saúde italiano. Eles utilizam um sistema de prioridade com cores: vermelho, amarelo, verde e branco. Quando chega um paciente em graves condições ele recebe uma etiqueta vermelha, que significa que esta em perigo de vida e tem prioridade total. Amarelo são casos graves, que precisam de atenção mas não são casos fatais. Depois vem as outras cores, onde os pacientes não estão em risco de vida, e nestes casos – e somente nestes senhor presidente – o paciente tem que pagar uma pequena taxa que custa em torno de 20 euros pela consulta. Não é fantástico senhor presidente? E ainda tem o médico de família, e muitas outras coisas interessantes por lá na área da saúde, o senhor precisa ver…
Senhor presidente, eu vivo em Pisa, perto lá da torre torta! E lá também tem políticos tortos como aqui, claro que em menor quantidade. Tempos atrás afastaram o primeiro ministro só porque não confiavam mais nele. Disseram que por ele ter tido um ministro envolvido com problemas ele não era mais confiável, afinal ele que tinha colocado o ministro lá e era sua responsabilidade! E o afastaram do cargo, inacreditável. E imediatamente convocaram novas eleições…
Porque não utilizamos este mesmo critério, senhor Presidente? Se fosse na época do Império Romano eu ia sugerir que o senhor mandasse construir um Coliseu igualzinho ao de Roma no Brasil pra enviar todos os políticos “tortos” do Brasil pra lutar com os leões, imagina a festa que o povo ia fazer!
Mas já que não dá pra aplicar esta idéia, não seria possível pelo menos demitir, exonerar e prender os “tortos”? Porque pelo que acompanho pelos jornais, no Brasil os políticos “tortos” continuam no cargo, mesmo depois da existência de provas contra eles. E eu não consigo explicar os italianos porque mesmo diante das provas e fatos os políticos continuavam mantendo os benefícios. Difícil presidente explicar algumas coisas tão obvias aos europeus… Dai eles descobriram que não é só a torre que é torta, os políticos brasileiros também são!
Dai presidente eu voltei agora pra passar férias em São Paulo. E senhor presidente, o que aconteceu com o preço das coisas? O que há um ano custava 3 hoje custa 10… Fiquei espantado porque meus parcos euros não conseguem comprar praticamente nada. Estão falando da volta da tal inflação, é aquela mesma que dizimava os salários nos anos 80, presidente? Meu Deus, eu me lembro que as coisas pela manha custavam um valor e à tarde custavam outro valor. Não acontecerá novamente não, né presidente?
E um dia, eu estava conversando com um engenheiro sobre nosso fantástico programa do biocombustivel, sobre como é fácil produzir energia através da cana-de-açúcar. O senhor não acredita: quase apanhei! O engenheiro disse o Brasil está acabando com o solo, pois a cana-de-açúcar empobrece o mesmo, inviabilizando-o pra novas plantações. E eu fui ao interior de SP e fiquei pensando que se meu antenato italiano chegasse hoje no Brasil ao invés de plantar café ele plantaria cana, no imenso canavial que se tornou o estado de SP. Este engenheiro me dizia que comparado a outras fontes de energia, o biocombustivel perde feio, senhor presidente. Dizia que é necessária tanta matéria-prima pra gerar uma pequena quantidade de energia, que a relação custo-beneficio não compensa. Alias, compensa pra quem planta a cana, que geralmente arrenda as terras e depois de poucos anos a devolvem ao pequeno produtor praticamente desértica. Incrível como os europeus entendem das coisas, presidente!
Ah senhor presidente, lembrei de outra coisa: Estes dias estava tentando explicar pra um amigo como se vive no Brasil com 150 euros por mês. Tentava explicar também o que significava “plano de saúde” e ele não entendia porque eu não poderia levar minha família a um simples hospital publico em SP… Mas difícil mesmo foi colocar na cabeça dele que eu era obrigado a manter minhas duas filhas pequenas em colégios particulares, puxa presidente, europeu não entende nada de pobreza, violência…
E o sonho dele era conhecer a favela, imagine só! Eu disse que era perigoso e ele não acreditou! Alias, só começou a entender o perigo depois que estreou nos cinemas italianos o filme Tropa de Elite. Dai ele começou a entender que favelas não são apenas casinhas em cima dos morros.
Enfim, senhor presidente, eu gostaria de convidá-lo pra ficar na minha casa na Italia, pertinho da torre torta. Quem sabe assim o senhor não consegue ter uma idéia de como “desentortar” o Brasil
Abraços
Fabio Barbiero
Pisa – Italia